Posso facilmente imaginar a vida de um jovem americano que vive a dez mil quilômetros daqui. Normal: tenho tevê e, no momento em que escrevo, devem estar passando pelo menos cinco seriados em que os personagens são jovens em colégios americanos. [...] Mas sua vida, Gazaman, não consigo imaginá-la. E isso não é normal.
A praia é o único lugar onde podemos esquecer que estamos presos num buraco chamado Faixa de Gaza. Ninguém consegue imaginar o que é esse negócio se nunca esteve aqui. A maneira mais simples de descrever o lugar é enumerando tudo o que ele não tem. Depois disso, imagino que dê para ter alguma ideia: não há rios, não há florestas, não há montanhas, não há vales, não há monumentos históricos, não há centros comerciais tinindo de novos, não há belas ruas com cafés e lojas de luxo, não há grandes parques onde as famílias possam fazer piqueniques, não há zoológicos.
É estúpido, é assim, é a guerra. A guerra imbecil em que israelenses matam palestinos, palestinos matam israelenses, e lá vamos nós, começamos uma nova rodada, mas quem mesmo começou? Eles? Nós? Você? Eu? Ninguém se lembra. Memória curta, lapsos de memória, amnésia, hipocrisia, má-fé, agora vamos recomeçar só para ver quem mata mais, quem é o mais forte [...]
Uma garrafa no mar de Gaza, de Valérie Zenatti.